Carnaval 1991
O Boca do Inferno

Data do desfile: 09/02/1991 - Sábado.

Local: Sambódromo da Marquês de Sapucaí.

Ordem de desfile: 3ª Agremiação a desfilar.

Colocação: Hours Concours (12ª Colocada).

Presidente: Carlos Alberto Ferreira.

Carnavalesco: José Felix.

Samba-Enredo:

(versão estúdio)

Compositores: Tião da Roça, Doda, Luiz Sérgio, Mocinho, Giovanni e Carlos Henry
Intérprete: Sobrinho

Floresceu seu ideal lá na Bahia
Onde o poder da fidalguia
Sufocava o meu Brasil pela raiz
Surgiu no seio da sociedade
Lutando pela igualdade
Contra o preconceito social
Um jovem inteligente
De Versos Maldizentes
Com exemplos marcantes
Que o povo aderiu
Fluiu no peito do poeta a esperança
Gregório é Miserê, é abastança
Penitência do mal, luta de um bem querer
Seus versos tinham tal sabedoria
Era a mão da chibata a tirania

Em noite de festa
Na fazenda o terreirão
Gregório ponteia a viola
Verso vira canção


Esta terra tem moral
Vejá lá seu fazendeiro
Sua mesa tem fartura
O plantador tá sem dinheiro


Na luta da sonhada liberdade
Um preço bem alto "Boca do Inferno" pagou
(E não calou)
Mas nos becos e vielas, nas cidades e favelas
O seu sonho prosperou

Ecoou pelos ares
Despertou os Palmares
Oh! Chama que não se apaga
De boca em boca propaga liberdade


Sinopse de enredo

Desenvolvimento:

Gregório de Matos nasceu na cidade de Salvador, Bahia, em decantado berço de ouro. Filho de fidalgo português, senhor do engenho na Patatiba, no Recôncavo, que moía com muitos escravos. Estudou Humanidades com os Jesuítas. Desde moço foi poeta.

“Permití, minha formosa, que esta prosa envolta em verso de um poeta tão perverso se consagre a vosso pé, pois rendido à vossa fé sou já poeta converso.” Jovem, foi para Coimbra e teve o privilégio de ser um dos primeiros Doutores Brasileiros da velha Universidade. “Mancebo sem dinheiro, bom barreta, Medíocre o vestido, bom sapato, Meias velhas, calção de esfola-gato, cabelo penteado, bom topete.

Presumir de dançar, cantar falsete, Jogo de fidalguia, bom barato, Tirar falsídia ao moço do seu trato, Furtar a carne à ana, que promete.

A putinha aldeã achada em feira, eterno murmurar de alheias famas, soneto infame, sátira elegante.

Cartinhas de trocado para a feira, Comer boi, ser Queixote com as Damas, pouco estudo, isto é ser estudante.”

Ali, aprendeu a Lei e conheceu os versos de Camões, de outros poetas antigos e dos italianos influentes à época. Bacharel, viveu vinte anos em Lisboa, onde casou e foi juiz. Mas a sua sátira que apenas brotava, feria quem estava por perto do poder. Ao recusar a nomeação de inquisidor dos Crimes do Governador do Rio de janeiro, perde o favor da corte e é forçado a voltar à Pátria. Na Bahia, Gregório de Matos viveu cerca de quinze anos. O tempo da maturidade, no qual chega às últimas conseqüências o fabulosos processo de libertação do poeta e do seu verso. Sua poesia sacra, lírica, burlesca, erótica e satírica, está repleta das angústias e experiências do homem barroso nos trópicos e profundamente enraizada na sua circunstância baiana, brasileira, tanto os versos satíricos quantos os eróticos, valem como verdadeiras crônicas da vida colonial do Brasil do século XVII, dos padrões de comportamento social, político e moral. “A cada canto de um grande conselheiro, Que nos quer governar cabana, e vinha Não sabem governar sua cozinha, E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um freqüentado olheiro, Que a vida do vizinho, e da vizinha Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha, Para levar à praça, e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados, Trazidos pelos pés os homens nobres Posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados, Todos, os que não furtam, muitos pobres, E eis aqui a cidade da Bahia.”

Caído em desgraça pelo Governo da Colônia e pela Igreja, a quem criticava, Gregório de Matos passa a viver da Advocacia. Entra para o Partido Liberal e começa a fazer oposição ao poder colonial. Seus amigos são intelectuais e políticos de espírito nativista, os senhores de engenho espoliados pelo comércio português e pelos agiotas e seu verso se enche da implacável condenação “ao roubo, à justiça e à tirania”. Viaja por toda a Bahia, conversa, agita, faz política, livra seu verso que ganha linguagem própria, com palavras que negros, índios e brancos cunharam na Bahia. A imprensa é rigorosamente proibida, mas seus versos correm às ruas da cidade apertada entre o Mosteiro de São Bento e o Convento do Carmo. São decorados, repetidos, modificados e copiados, em cadernos por toda as ladeiras que ligam as tavernas e as igrejas. Entre a força e o pelourinho e os palácios do Governador e do Bispo, explode a sátira gregoriana, em nome da moral sancionada e descumprida. Sua poesia é festa para todos os marginalizados do rígido sistema e seus versos se voltam cada vez mais para os “pequenos” numa linguagem corriqueira. Faz-se crônicas daquela gente que seria Brasil e sua gente o reconhece e proclama. “O demo a viver se exponha, Por mais que a fama exalta, Numa cidade onde exalta Verdade, honra e vergonha.” O poder também o reconhece e tenta seu trunfo maior para remílo: oferece-lhe a batina em troca da língua maldizente. Gregório de matos recusa o negócio já sem medo da pobreza a que estava condenado. Fecha o escritório de advocacia e deixa-se observar pelo mundo baiano, sem amarras e sem preconceito. Bebe e ama, sem ter dinheiro-“Amo por amar que é liberdade”. Come quando é convidado, dorme onde os amigos o abrigam. De uma cabeça faz viola e canta sua poesia nas varandas dos engenhos. “Cansado de vos pregar cultíssimas profecias, quero das culteranias hoje o hábito enforcar de que serve arrebentar, por quem de mim não tem mágoa? Verdade direi como água, porque todos entendais os latinos, e os boçais a musa praguejadora. Entendeis-me agora?”

Até então as autoridades limitavam-se a demití-lo de cargos e funções, a negar-lhe favores, a obrigá-lo à pobreza. De vez em quando, breves prisões e ameaças de agressões, mas o poeta popular não se cala contra eles. “Quem me quer o Brasil, que me persegue?

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“Neste mundo é mais rico o que mais rapa”.

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“Senhora Dona Bahia, nobre e opulenta cidade, madrasta dos naturais, e dos estrangeiros madre”. As autoridades civis, militares e esclesiásticas, os senhores do comércio e agora até mesmo os senhores de engenhos, não podem perdoar a esse branco que se diz “escravo e canalha” de pretas e mulatas, que mistura-se à ralé e aos elementos da reação anticolonial. Grgório é preso e degradado: vai preso num navio que leva cavalos para Benguela e que voltará de Angola com escravos. “Adeus Pobo, adeus Bahia Digo, Canalha infernal, E não falo na Nobreza Tábula em que se não dá, Pícaros dão picardias, E inda lhes fica que dar. E tu, cidade, és tão vil Que o que em ti quiser campar, (aproveitar) Não tem mais do que meter-se A magno, e campara.” (a malandro e aproveitará)

Em Angola ajuda o Governador a sufocar uma rebelião e como recompensa permitem que volte do degredo. Impedido de voltar à Bahia é recambiado ao recife. Gregório continua a sua luta contra a exploração colonial, contra a injustiça da lei corrupta, contra a moral hipócrita e o preconceito. Como Zumbi, o líder quilombola dos Palmares, também resiste e clama por liberdade. Seis dias depois da morte de Zumbi, no ano de 1695, Gregório de matos entrega a alma a Deus. “ A Vós correndo vou, braços sagrados, Nessa Cruz sacrossanta descobertos; Que para receber-me estais abertos, E por não castigar-me estais cravados”.

Morre Gregório de Matos Guerra que viveu aqui na terra, entre o céu e o inferno, o pecado e a penitência, o mal e o bem, o burlesco e o sagrado, de bem falar e maldizer. Morre Gregório de Matos. O Boca do inferno, a primeira grande voz poética tipicamente brasileira. “Eu sou aquele que os passados anos Cantei na minha lira maldizente Torpezas do Brasil, vícios e enganos”.

Mas a luta contra a opressão, as injustiças e preconceitos, é certo, não começou nem terminou com a voz livre d’O Boca do inferno. Aprendida a lição de liberdade contida em sua poesia, outros mais ou menos malditos – seguiram seus passos. É o caso de Manoel Bequimão, de Tiradentes e dos poetas da Inconfidência. Dos heróis da Conjuração dos Alfaiates, de Frei Caneca, dos balaios, Cabanos e Sabinos, de José Alencar, de Martins Pena, Mário de Andrade, de José do patrocínio, de Antônio Conselheiro e tantos ouros, que formariam, ao lado de Gregório de Matos uma infernal galeria de contestação. São vozes da liberdade.

Assim, para quem deixou uma herança tão intensamente rica, sua morte deve ser encarada como vida e, sendo certo, que a ânsia pela liberdade não é atributo de período histórico, mas do próprio homem, outros “Bocas do inferno” fazem da Lira Maldizente um canto em favor dos oprimidos. E como diz James Amado: “Do alto de seu roko, a Sagrada Gameleira em Opô Afonjá, Gregório de Matos, pequeno Orixá Baiano, observa sorridente suas próprias aventuras de Exu cavalgando, sua gente na terra, cavalos padecentes”.

Contempla sua cidade da Bahia e deve sair atrás do Trio Elétrico, junto com os outros Bocas do inferno, a quem, agradece a obrigação recebida.

 Paulo César Cardoso, autor do enredo.

Ficha Técnica
Alas: 36
Alegorias: 7
Presidente: Carlos Alberto Ferreira
Vice-Presidente: Artur Sabino Costa Filho
Patrono: Venilton Stabile
Presidente da Comissão de Carnaval: Arildes
Carnavalesco: José Félix
Figurinista: José Félix
Estilista: Carlos Negri
Autor(es) do enredo: Paulo César Cardoso
Autores do samba: Tião da Roça, Doda, Luiz Sérgio, Mocinho, Giovanni e Carlos Henry
Intérprete: Sobrinho
Diretor de Carnaval: Paulo Cesar Cardoso
Diretor de Harmonia:  Marco Antônio Santos (Marquinho)
Mestre de Bateria:  Áureo e José Carlos
Diretor de Tamborins: Assis
Rainha de Bateria: Vera Benévolo
Mestre-Sala e Porta-Bandeira:
1º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira
Nome do Mestre-Sala: Jerônimo
Nome da Porta-Bandeira: Neide
Roteiro de desfile:

Santa Cruz em desfile:

Comissão de frente – Representada por sete “DIABAS” e sete “ANJOS” procuram retratar a vida do poeta Gregório de Matos. Ninguém como ele viveu aqui na terra entre o Céu e o Inferno.

ABRE-ALAS – É o casório da Bahia do século XVII com o monstro de sete cabeças representando os setes vícios da cidade em que viveu o poeta. Mos seus versos a Fome e a Miséria, a Tirania, a injustiça, a Avareza, a Hipocrisia, a Corrupção e o Preconceito campeavam na Bahia de então. As figuras vivas representam os vícios e os ladrinhos da cidade de Salvador.

Setor 1 – BAHIA DOS COLONIZADORES

ALA DOS GOVERNADORES – Traje típico dos governantes da época. ALA – Funcionários do Palácio
ALA – Soldados do Governador
ALA - Os Desembargadores
ALA – Os Juízes – Nesta ala, a sátira está presente e por debaixo do manto da justiça, o “sexo” escancaradamente praticado.
ALA – Os Padres da Bahia gregoriana
ALA – Os padres e a dama da noite – Outra ala satírica. De dia os sermões nas Igrejas. De noite os amores escondidos nos sobradões.

1ª ALEGORIA – O palácio do Governador “BRAÇO DE PRATA”

Setor 2 – BAHIA GREGORIANA

ALA – Os Senhores do engenho
ALA – Damas da Noite – Como dizia o poeta, a cidade da Bahia, é feita de dois efes. Furtar e ...
ALA – Mucamas e cortadores de cana
ALA – Vendedores de Camarão
ALA – Marinheiros do Cais e Vendedores de Peixe
ALA – Índias – “Civilizadas” e Lavradores dos campos do interior da Bahia
ALA – CRIANÇAS – Negrinhos de Ganho

2ª ALEGORIA – A Igreja do Carmo – No ádrio os vendedores miseráveis. No interior os sermões feitos para parede.

Setor 3 – ANGOLA: O Exílio do Poeta

ALA - Africanos
ALA - Africanos
ALA - Africanos
ALA - Africanos
ALA - Africanos
ALA – Africanos

Setor 4 – Recife vê o poeta morrer

ALA – Réquiem ao poeta popular
ALA – O maracatu do Poeta Rei
ALA – “Dançando Afro” – MARACATU
ALA – BAIANAS

3ª ALEGORIA – O maracatu do Poeta Morto

Setor 5 – Vozes de contestação

ALA – Arautos da Liberdade
ALA – Os mártires – Nesta ala representamos todos os que morreram em defesa dos oprimidos
ALA – BATERIA – Os Gregórios de Matos

4ª ALEGORIA – ECOS DA LIBERDADE – Pantheon de alguns vultos famosos (Zumbi – Frei Caneca – Tiradentes – Castro Alves José do patrocínio e Mário de Andrade) cujas vozes contestaram sempre a opressão dos poderosos.

Setor 6 – A Poesia de Gregório de Matos

ALA – as Negras e Mulatas da Bahia
ALA – O Amor do poeta e sua gente
ALA – A irreverência do poeta (Ala coreografada)

5ª ALEGORIA – O “TOPOS CARPE-DIEM”. O Poeta vivia intensamente, vivia o hoje, o já. Sabia que a vida e as coisas são efêmeras. Nisto foi precursor na poesia brasileira. O exemplo mais recente é o filme “SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS”.

Setor 7 – A GAHETEIRA (árvores sagradas do Candomblé)

ALA – as pombas giras
ALA – Zé Pelintra (Velha Guarda)
ALA – O povo de rua (Malandrinhos)
ALA – segunda ala de baianas

6ª ALEGORIA – A Gaheteira e o despacho para Gregório – Pequeno Orixá Baiano

ALA – Os Bocas do Inferno de hoje
ALA – Outras Bocas do Inferno

7ª ALEGORIA – Atrás do TRIO ELÉTRICO